Exposição Rio Night Fever”, de Vincent Rosenblatt, em cartaz a partir de 14 de fevereiro,  retrata os bailes funk e a folia dos bate-bolas no carnaval da cidade

Parisiense radicado no Rio de Janeiro desde 2002, o fotógrafo Vincent Rosenblatt dedicou os últimos 15 anos da carreira ao registro da vida noturna das favelas e periferias da cidade, com ênfase inicial somente nos bailes funks e, alguns anos depois, também nas turmas de bate-bolas no carnaval do subúrbio. O resultado das centenas de incursões realizadas pelo francês neste período será apresentado numa seleção de aproximadamente 50 obras, na exposição “Rio Night Fever”, na Galeria da Gávea, que acontece de 14 de fevereiro a 3 de abril de 2020.

Uma das expressões culturais mais difundidas entre os jovens brasileiros nos dias de hoje, o funk carioca, que completa três décadas em 2019, foi sensivelmente captada pelas lentes do fotógrafo ainda nos primórdios dos bailes de favela – na época dos “proibidões” –, antes do gênero revolucionar a cena pop e conquistar o topo das paradas no país.

 

Vincent conseguiu se aproximar de DJs e dançarinos e, aos poucos, foi conquistando liberdade para fotografar nos bailes, onde os acordos sociais são muito exclusivos, principalmente para um estrangeiro. Sem nenhum estereótipo, suas imagens revelam a beleza, a potência e a sensualidade de homens e mulheres na mais absoluta precisão técnica. São fotografias em que cor, luz e textura revelam uma experiência estética de quem fez parte da ascensão do movimento.

 

Na trilha do funk carioca, Vincent foi introduzido ao mundo dos “bate-bolas” – grupos tradicionais do carnaval carioca, originalmente denominados de “Clóvis”, que circulam nos quatro dias de carnaval pelas ruas desertas do subúrbio. Essas turmas se apropriam de funks remixados e, numa saída triunfal, com muitos sons, cores, cheiros e fogos de artificio, fazem um espetáculo lúdico que o fotógrafo vem registrando religiosamente nos últimos treze anos.

 

As obras de Vincent Rosenblatt – cujos trabalhos já foram expostos em mostras coletivas e individuais na Europa, América Central e Brasil – fazem parte do acervo permanente de instituições públicas como a Maison Européenne de la Photographie e o CACP Vila Pérochon, ambas na França, e o Vitra Museum, na Alemanha.

Rio Night Fever

Por Vincent Rosenblatt

Desde 2005 dedico centenas de noites insones a mergulhar nos bailes e no corpo-a-corpo com o povo funkeiro. Tento resgatar a memória frágil desses encontros —desejos sublimados em imagens — e também fazer do acervo, retrato de uma juventude carioca do início do século XXI, um espaço de pesquisa. Atraído pelos tremores graves que ecoavam em Santa Teresa e pela crueza sadia das letras que abalavam o mito da convivência cordial, adentrei por conta própria meus primeiros bailes. Imediatamente DJs, MCs e bondes de dançarinos me abduziram para mais e mais bailes, especialmente os das favelas e subúrbios onde eram crias. Ali, me introduziram em lugares de “não fotografia”. Protagonistas do funk compartilharam comigo a responsabilidade e o perigo de se produzir imagens em locais visados por uma imprensa hostil e pela violência governamental.

Sabiam também que os bailes mais lindos estavam fadados à repressão e à destruição.
Queriam meu olhar para documentar essa beleza. As imagens, logo publicadas nas primeiras redes sociais, ajudaram, uma a uma, o baile a crescer, em troca permanente com os artistas locais. E, em tempos de “pacificação”, serviram de prova da sua importância cultural para a comunidade depois da interdição. Eu projetava regularmente o trabalho nas paredes do próprio baile para deixá-los avaliar o que escolhia retratar. O funk carioca é uma imensidão de territórios, danças, rituais e identidades, e o trabalho é um vai e vem entre tentar dar conta das multidões e dos detalhes corporais: corpos funkeiros como manifestos individuais de liberdade de expressão.

 

O funk me interessa especialmente quando ultrapassa as fronteiras, quando amplia os limites do que temos direito de expressar. Seja guerreiro, político ou sexual, ele trabalha na ponta extrema do espectro da liberdade de expressão. Acredito que isso tem a ver com a essência da fotografia, que busca sempre ampliar o espectro do “domínio do visível”. O que nos permitimos fotografar? Onde nos permitimos reconhecer a beleza do mundo?

 

Nos últimos anos, em contexto de repressão constante aos bailes, uma geração de jovem produtores negros passou a reinventar as noites cariocas. As “festas pretas” (Batekoo, Yolo Love Party e outras) ampliaram a revolução funkeira. Nelas a celebração da identidade e a recusa ao racismo, à homofobia e a qualquer discriminação criam espaços-tempo seguros para viver e sonhar no momento atual do pais. Alguns dos protagonistas dessa nova cena conheciam meu percurso no funk e me convidaram para continuar meu trabalho com eles.

 

Foi ainda o funk carioca que me apresentou ao mundo dos bate-bolas. Num domingo de carnaval em 2007 o DJ Fú da Mangueira me telefona, pergunta se confio nele e me convoca para Guadalupe, onde a turma do Índio preparava sua saída ao som do “pancadão”: as principais músicas da época remixadas para enaltecer cada uma das turmas desse outro carnaval. Ano após ano eu iria fielmente ao encontro e reencontro dos Clóvis, dos quais, da Zona Norte à Zona Oeste, surge toda uma constelação nos três dias de saídas de carnaval.

 

O espetáculo da saída dos bate-bolas me leva a um estado de emoção primitiva, a catarses ritmadas seja pelo som aterrorizante que emitem ou pelos funks que as impelem.  Num clamor repentino, o rio de cores dos Clóvis amontoados em nuvens multicoloridas faz da saída um evento ensurdecedor, com fogos de artifício, gritos, barulho das bexigas batendo no chão, das sombrinhas zunindo no ar. A agressividade relativa e simbólica de algumas turmas é da ordem do simulacro, do ensaio: catarses da violência real que atravessa a cidade e o país.

 

Soam como o princípio de uma revolta ou de uma revolução que tomaria a cidade. Essa beleza preparada por meses a fio dura poucos minutos e murcha na dispersão pela retirada progressiva de partes das fantasias, quentes demais para o calor de fevereiro.

 

Durante os dias de saída e circulação dos bate-bolas, favelas e bairros abandonados pelo Estado revelam sua natureza verdadeira. São o núcleo da alma da cidade, de sua criatividade, riqueza e gênio. Uma arte de rua autossustentável transfigura a vida cotidiana. Como no mundo funk carioca, tornam-se palpáveis e visíveis o irredentismo e o desejo de mais arte na vida.

 

Bio Vincent Rosenblatt

Nasceu em 1972 Paris, França

Vive e trabalha no Rio de Janeiro.

 

Enquanto estudava História e antropologia na Sorbonne, viaja diversas vezes para Polônia e até a Sibéria, desenvolvendo seu primeiro trabalho fotográfico. Começa a trabalhar como fotojornalista, porém ingressa na na École Nationale des Beaux-Arts em 1997, descobrindo o Brasil em um intercâmbio feito com uma bolsa de estudos da Collin-Lefranc, na FAAP em São Paulo entre 1999 e 2000.

 

De 2002 à 2008 desenvolve o projeto “Olhares do Morro” (www.olharesdomorro.org) no Santa Marta no Rio de Janeiro, que verá surgir jovens fotógrafos expondo nos encontros da fotografia de Arles, na sede da Unesco em Paris, em Estocolmo ou ainda em Art Basel / Miami Beach.

 

Um dos seus canteiros de pesquisa visual é a cena carioca dos Bailes Funk, ou ainda o Carnaval dos Bate-Bola .  Um trabalho em constante evolução, que foi exposto na Maison Européenne de la Photographie em 2011,  na invasão criativa « Made by.. Feito por brasileiros » na Cidade Matarazzo em São Paulo em 2014.  No CAHO (Centro de Arte Hélio Oiticica) na coletiva Ser Carioca – no Museu de Arte (MAR) do Rio de Janeiro na coletiva « Rio, uma paixão francesa » e em retrospectiva individual no Centre d’Art et de Création Photographique – Vila Pérochon de Niort, na França. Expus sua serie « Bate-Bola  – Rio Carnaval Secreto » na galeria da Aliança Francesa no Rio de Janeiro e no CACP Vila Perochon em 2015, no SESC-Madureira, no CARP-Brasil em Amsterdam. Participou das mostras coletivas « Night Fever – designing club culture» no Vitra Design Museum (Alemanha) e « Historias Afro-Atlanticas » no MASP (2018) e Labor na OM Art (2019). Fez uma retrospectiva – FIEBRE NOCTURNA no Centro Cultural Internacional de Panamá em setembro 2019.

 

As obras de Vincent Rosenblatt fazem parte do acervo permanente de instituições publicas como a Maison Européenne de la Photographie, o CACP Vila Pérochon, o Vitra Museum na Alemanha e é representado internacionalmente em varias coleções particulares. Seu trabalho já foi publicado no  New York Times (Lens), National Geographic,  Le Monde, Gente di Fotografia, GUP, Dummy, I-D, Libération, Courrier International, Dagens Næringsliv, Repubblica Delle Donne, Trax mag, Afisha-Mir, entre outros.

SERVIÇO:

 

Rio Night Fever, de Vincent Rosenblatt

Abertura: 13 de fevereiro

Exposição: 14 de fevereiro a 3 de abril de 2020

Horários: seg a sex, das 11h às 19h

Local: Galeria da Gávea

Endereço: Av. Marquês de S. Vicente, 432 – Gávea

Tel: 2274-5200

Entrada franca

Informações para a imprensa:

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