Ricardo Pereira assina contrato internacional e inovador com a Netflix

Consagrado na televisão, no cinema e no teatro, artista português assume a função de showrunner e produtor criativo para produções da plataforma em Portugal, além de realizar trabalhos como ator e diretor em séries e filmes brasileiros, portugueses e espanhóis da gigante do streaming

Desafio é a palavra que move Ricardo Pereira. Com mais de duas décadas de trajetória na televisão, no cinema e no teatro, o ator de 43 anos mantém uma sólida carreira em Portugal, onde nasceu, e no Brasil, onde vive há vários anos. Seu currículo conta com o impressionante número de 30 novelas nos dois países, além de diversos filmes (brasileiros, portugueses, franceses, espanhóis e holandeses), espetáculos e trabalhos como apresentador. Agora é a hora de uma nova guinada: ele acaba de assumir um posto inovador na Netflix, com a função de showrunner para produções realizadas em Portugal, além de realizar trabalhos como ator e diretor em produções brasileiras, portuguesas e espanholas da gigante do streaming.

Na nova função, caberá a Pereira conceber e selecionar projetos de ficção, em formato de série ou filme, para serem produzidos e exibidos pela plataforma de streaming. Dando espaço para que novos talentos surjam. Nada impede, entretanto, que ele atue em (ou dirija) algumas dessas atrações, e mesmo que desenvolva outros trabalhos pontuais, também como ator, em outros players e emissoras. Um modelo inovador condizente com um mercado em plena transição, e com um profissional que tem uma experiência tão diferenciada, em vários países, com vários canais e produtoras de audiovisual.

“É um desafio artístico enorme, adequado ao meu momento: estou mais experiente, exijo mais de mim. Agora tenho a oportunidade de me envolver cada vez mais no processo criativo”, celebra Pereira, que vem conversando com profissionais de várias etapas da produção audiovisual, nos três países, para ocupar o cargo. “Minha experiência multifacetada me deu uma bagagem cultural grande. Acho que isso tem a ver com o fato de ser, desde muito novo, um cidadão do mundo.”

A expressão “cidadão do mundo” não é exagero. A partir dos 14 anos, a experiência como modelo o levou a morar em diversos países, aprender várias línguas e conviver com gente de muitas nacionalidades. Campanhas internacionais de publicidade acabaram fazendo ele se interessar pela atuação, e o mergulho foi de cabeça: passou a investir parte do que ganhava na moda em workshops e atuar em algumas peças teatrais infantis. Em 2000 estreou profissionalmente no espetáculo A real caçada ao sol, de Peter Shaffer, com a Companhia Nacional de Teatro Dona Maria 2ª, uma das mais importantes de Portugal, e direção de Carlos Avilez. Logo começaria a emendar personagens em novelas e séries da televisão portuguesa, assim como vários papéis no cinema europeu.

“Como sempre demonstrei muita vontade em aprender, os atores mais velhos logo estenderam a mão para mim. O mesmo aconteceu com o produtor Paulo Branco, que me deu oportunidades no cinema francês”, conta ele, que fez filmes como “Cadences Obstinées” (2013), dirigido por Fanny Ardant, ao lado de Asia Argento e Franco Nero, e “Mistérios de Lisboa”, do diretor chileno Raul Ruiz, entre outros.

Não bastasse a vida dupla entre as carreiras de modelo e ator — e em seguida entre Portugal e Brasil –, nos primeiros anos do século 21 Pereira também encaixou na rotina a faculdade de Psicologia. “Me formei em Psicologia porque sempre fui fascinado pelo comportamento humano. Sou um contador de histórias, mas ao mesmo tempo um ótimo ouvinte para gente que conta bem histórias, em várias línguas. A capacidade de escutar é rara hoje em dia, e acho que a gente cresce muito com a experiência dos outros”, diz ele.

Ao aliar essa capacidade de escuta com uma forte disciplina e um carisma espontâneo, Pereira trabalhou nos últimos 20 anos com um número significativo de diretores, atores e produtores relevantes ao redor do mundo. “O fato de ter morado em vários países me fez aprender cedo que não se pode chegar num lugar tentando implementar o seu jeito. Tem que querer aprender sobre aquela cultura. Foi assim que cheguei no Brasil, sendo super bem recebido, e fiz daqui a minha casa”, diz ele, que mora no Rio de Janeiro com a mulher Francisca e os três filhos cariocas (Vicente, Francisca e Julieta).

Primeiro estrangeiro a protagonizar novela no Brasil

Por aqui, foi colecionando feitos: foi o primeiro ator estrangeiro a ganhar um papel de protagonista em novela brasileira — logo na sua estreia em “Como uma onda”, de 2004 — e, um pouco depois, o primeiro estrangeiro a firmar um contrato de longo prazo com a TV Globo, emissora onde realizou inclusive trabalhos como apresentador (Dança da Galera, É de Casa, Sintonize, Sem cortes e Mais você, este último com a responsabilidade de substituir Ana Maria Braga). Foram muitas as novelas, como Pé na jaca (2006), Negócio da China (2008), Insensato coração (2011), Joia rara (2013), Liberdade, liberdade (2016), Éramos seis (2019), entre outras. “Sempre fui recebido de braços abertos e muito bem cuidado na TV Globo”, diz ele.

Pereira fez por onde. Poliglota — fala inglês, francês, espanhol e português –, ele logo percebeu que precisaria aprender a se comunicar em “brasileiro” se quisesse ampliar o leque de papéis no país. Para isso, ao longo de sete anos fez aulas com fonoaudiólogas. “Outro dia encontrei uma senhora brasileira no aeroporto, e ela elogiou minha capacidade de ‘imitar’ o sotaque português. Achou que eu era brasileiro, o que para mim foi o maior elogio”, diverte-se ele, que em 2018 recebeu a comenda da Ordem do Mérito do governo português por seus esforços na aproximação de Portugal e Brasil no âmbito cultural. Sempre se desafiando, seu sonho é conseguir, com a nova função, promover mais intercâmbios audiovisuais entre profissionais dos dois países.

Para o rapaz que cresceu assistindo a novelas brasileiras em Portugal, como Roque Santeiro e Pedra sobre Pedra, é um feito e tanto fazer sucesso em sua terra natal, já como homem maduro, com produções daqui exportadas para lá. Mas ele nunca deixou de se dedicar a programas portugueses. Durante uma parte da pandemia, Pereira passou um período em Lisboa, para ficar perto dos pais, e como o processo criativo nunca para, enfurnou-se em um apartamento com quatro atores para fazer o filme “Revolta”, de Tiago Santos. O longa tem sido indicado para vários prêmios.

Reconhecido há tempos como um dos principais atores de Portugal, Pereira viu sua popularidade alcançar outro patamar graças a um de seus mais recentes papéis que teve em novela. Mais uma vez, graças ao desejo de se desafiar. Em 2021, deu vida a Romeu Santiago, cantor brega de Amor, amor, produção da SIC. De tão querido pelo público, o personagem ganhou perfil próprio nas redes sociais com milhares de seguidores e gravou várias canções e se apresentou ao vivo em vários programas de televisão. Não seria nada demais, não fosse um detalhe: até ali, Pereira, segundo sua mulher, não conseguia manter a afinação nem cantando “Parabéns” em aniversários. “Francisca riu quando eu disse que ia pegar essa missão. Respondi: ‘Ah é?’. Voltei a pedir aulas particulares de canto a professores de conservatório, alguns dos quais tinham me dado minhas primeiras aulas de teatro”.

Deu no que deu. Hoje, quando anda pelas ruas de Lisboa, Pereira é mais solicitado do que nunca. Romeu Santiago conseguiu o feito de conquistar o público infantil e jovem, que em geral, hoje em dia, está mais distante da TV aberta. O personagem passou a existir, praticamente, e já fez até participação especial em outra novela: Lua de mel (2022).

“Estou sempre perseguindo um objetivo muito pessoal, que é provar que eu não me encaixo numa única função. Quero continuar fazendo isso, buscando a versatilidade sempre”, afirma Pereira.