Além de atuar em “Matéria escura”, adaptação do best-seller de Blake Crouch para a TV, atriz com sólida carreira internacional dubla animação brasileira “Arca de Noé”, produção de Sérgio Machado inspirada nos poemas de Vinicius de Moraes, e narra podcast mexicano “Las guardianas”, da produtora de Gael García Bernal e Diego Luna.
E se… Alice Braga tivesse seguido outro caminho que não o audiovisual? Para ela, é difícil imaginar. “Meu lugar preferido no mundo é o set de filmagem”, conta. Quis o destino que a atriz, tão realizada na profissão e com sólida carreira internacional, se envolvesse com um projeto que parte justamente da pergunta “e se?”, que todos nós fazemos em algum momento da vida.
Na série “Matéria escura”, inspirada no best-seller de ficção científica homônimo de Blake Crouch (no Brasil, lançado pela Intrínseca), o ator australiano Joel Edgerton interpreta um físico, professor e pai. Uma noite, ele é sequestrado e transportado para uma versão alternativa de sua própria vida. Ao tentar retornar à sua realidade, passa por uma impressionante gama de histórias que poderia ter vivido. Neste labirinto de universos, o desafio é voltar para sua mulher (vivida por Jennifer Connelly) e salvar a família de um inimigo improvável: ele mesmo.
Na trama de 9 episódios, que estreia em 8 de maio na Apple TV, Alice vive uma psiquiatra que se envolve emocionalmente com o cientista. Em uma de suas versões, claro. Ela interpreta a profissional em quatro diferentes caminhos, enquanto Edgerton dá conta de espantosas 28 encarnações possíveis de seu personagem.
“É interessante para um ator, porque a espinha dorsal do personagem é a mesma, a vida desde o nascimento é a mesma, mas as decisões vão transformando cada versão, então é preciso trabalhar as nuances. Como se fosse uma árvore. O tronco é o mesmo, os galhos que vão se formando. Cada versão é um galho. É um desafio lindo”, observa Alice.
Para dar conta dos diferentes caminhos da psiquiatra, ela conversou muito com o autor, que é o showrunner e assina o roteiro da série com Jacquelyn Ben-Zekry, Megan McDonnell e Ihuoma Ofordire. Ano passado, a atriz teve oportunidade de mediar uma conversa com Blake Crouch na Bienal do Livro, no Rio de Janeiro. “Fiquei encantada com a história, porque para além de ficção científica ela trata muito das emoções. A gente vive muito o arrependimento, e isso nos tira do presente.”
Cinema no Brasil e nos EUA
Foi focando sempre no presente que Alice, hoje com 40 anos, construiu uma consistente trajetória no Brasil e nos EUA nas últimas duas décadas. Despontou em dois filmes nacionais — “Cidade de Deus” (2002) e “Cidade Baixa” (2005) — e, em seguida, emendou produções internacionais de grande porte, como “Eu sou a lenda” (2007), com Will Smith, “Predadores” (2010), com Adrien Brody, “O ritual” (2011), com Anthony Hopkins, “Na estrada” (2012), de Walter Salles, com Kristen Stewart, “Elysium” (2013), com Matt Damon, “Esquadrão Suicida” (2021), de James Gunn, com Margot Robbie, e “Hypnotic: Ameaça invisível” (2023), com Ben Affleck.
Sua trajetória, entretanto, vai muito além dos filmes de ação. Acostumada a viver em países diferentes, de acordo com os trabalhos — ela mantém residências em São Paulo e em Los Angeles –, Alice adorou a experiência de fazer “Eduardo e Mônica” (2022), longa inspirado na canção da Legião Urbana que tem lugar cativo nas lembranças afetivas de tantos conterrâneos. A atriz salienta que vê o mesmo nível de profissionalismo no Brasil e nos EUA, ainda que haja diferenças nas indústrias audiovisuais dos dois países. “Lá tem uma estrutura sólida, sindicato, hierarquia, e aqui existe uma entrega emocional e física, a equipe vira família, então é uma energia muito louca, que é a coisa mais bonita da profissão.”
Séries e produção executiva
Alice mergulha tanto nos projetos em que se envolve que tem sido raro se dedicar apenas à atuação. Em um de seus trabalhos de maior fôlego dos últimos anos, a série “A Rainha do Sul” (exibida na Netflix), além de dar vida à protagonista Teresa Mendoza em cinco temporadas, ela foi convidada a cuidar também da produção executiva a partir do segundo ano. Justamente por sua voz ativa em relação à personagem. “Acabou que foram seis anos, porque teve um de pandemia no meio (as temporadas estrearam entre 2016 e 21). É curioso porque nesse tempo você faz outras coisas, vai se transformando como pessoa e também como atriz, junto com a personagem”, observa ela, que, nos meses de gravação da série, dedicava-se a ela 7 dias por semana, para dar conta das duas funções.
A boa experiência na TV acabou lhe rendendo convite para participar de outras séries, como “We are what we are” (HBO, 2020) e “Assassinato no fim do mundo” (2023, Disney+). Inquieta, Alice se dedica também à produtora South, que mantém em sociedade com a atriz Bianca Comparato. No momento, elas têm um podcast já no forno, sobre os abusos do poder público contra indígenas brasileiros, descritos no Relatório Figueiredo, documento encontrado recentemente por pesquisadores. Narrada por Alice e a artista visual Daiara Tukano, a audiossérie de 8 episódios será lançada em breve pela Audible, da Amazon.
O uso exclusivo da voz tem se mostrado mais um caminho interessante para Alice, que teve a primeira oportunidade de fazer dublagem em “Soul”, animação da Pixar lançada em 2020. Neste ano de 2024, ela também poderá ser ouvida como a voz da Ratinha de “Arca de Noé”, nas versões em português e em inglês. O projeto, inspirado nos poemas de Vinicius de Moraes para crianças que foram musicados por ele e Tom Jobim, marca seu reencontro com o diretor Sérgio Machado, de “Cidade Baixa”.
Ela também narra os 6 episódios do podcast “Las guardianas” em espanhol. O convite partiu da produtora La Corriente del Golfo, dos mexicanos Gael Garcia Bernal e Diego Luna, e mergulha nas trajetórias de mulheres de diferentes países latino-americanos (Honduras, México, Colômbia e Brasil) que lutam por seus territórios. O último episódio, disponibilizado recentemente, trata da ex-vereadora carioca Marielle Franco. “É um desafio e tanto se expressar só com a voz”, conta Alice.
Brasil, Estados Unidos, México. Não importa o país. “O que quero é trabalhar com bons roteiros e personagens interessantes”, afirma ela, para em seguida revelar, com brilho nos olhos: “No momento estou muito animada com a negociação de projetos de séries e filmes com plataformas brasileiras”.

Serviço:

– “Matéria escura”
Série com 9 episódios
Estreia em 8 de maio de 2024, na Apple+ TV

– “Las guardianas”
Podcast com 6 episódios
Disponível: Spotify e Apple